Lembro muito bem do dia em que Gil Vicente chegou ao meu escritório para sua primeira sessão de um coaching de carreira.
— Rangel, estou animado. Eu quero mudar de vida mesmo e acho que esse coaching vai me ajudar muito.
— Eu tenho certeza de que vai. E lhe dou outra boa notícia: você já deu o primeiro passo para ter uma vida diferente ao tomar consciência disso e vir procurar ajuda.
— Pois é. O problema é que as minhas dúvidas são muitas. Recebi aquela proposta de emprego sobre a qual conversamos na semana passada. Mas estou cansado de trabalhar tanto para os outros. Sinto que minha criatividade fica subaproveitada, sinto-me sufocado pelas amarras da padronização da empresa e tenho certeza de que, se eu tivesse meu próprio negócio, ganharia mais. Apesar da proposta parecer interessante, tenho medo de cair na mesma situação daqui a alguns meses.
— Entendo. Você parece mesmo cansado do mundo corporativo. Vamos descobrir aqui se é só estafa ou se você está caminhando para outro rumo, como o do negócio próprio.
— Se eu disser que essa possibilidade não me encanta, estarei mentindo, Rangel. O problema é que tenho medo de tomar essa decisão e estar errado.
— Mas você tem algo em mente, sabe o que faria caso abrisse o seu negócio?
— Eu quero ganhar dinheiro, Rangel. Di-nhei-ro.
— Calma lá! Ganhar dinheiro não é um plano de negócio. Os bons rendimentos são resultado de algo que deu certo. Mas, se você começar por aí, não vai dar certo. Eu garanto.
— Puxa…
— Sabe, há algum tempo, eu costumava frequentar um bom supermercado em frente à minha casa por causa da adega. Na verdade, eu ia ali pelo somelier, o Carlos.
— Nossa, que bacana, Rangel. Eu também adoro vinho, mas confesso que tenho um pouco de preguiça de estudar ou discutir sobre o assunto. Prefiro degustar em silêncio.
— Sei. Mas deixa eu contar essa história porque eu acho que ela vai esclarecer algumas coisas para você. Então, o Carlos, além de muito simpático, tinha paixão pelo seu trabalho. Discorria com propriedade e entusiasmo sobre os vinhos que vendia. Às vezes, via que eu estava circulando por ali e me chamava, para contar que um dos vinhos que eu gostava tinha acabado de chegar. Ele entendia muito sobre o assunto, contava a história do vinho, quem era o produtor, detalhes sobre a safra e as uvas… Passou um tempo e o Carlos desapareceu. Semanas depois, o encontrei na rua e ele me contou que tinha sido contratado pela dona de um negócio novo, uma espécie de armazém com uma adega aberto no bairro. Perguntei a ele como ia a loja da sua nova chefe e ele respondeu, sem entusiasmos, que não ia bem, não. “Não sei o que acontece. Ela tem bons produtos, está num bom ponto, mas falta algo para conquistar a clientela. Eu gostaria de saber o que é”.
— Nossa, e o que era, Rangel?
— Pois é. Eu também fiquei curioso e fui até o armazém. Dei uma volta, olhei os produtos e confirmei o que o Carlos tinha dito. Realmente era tudo de ótima qualidade e o ponto, excelente. Resolvi, então, bater um papo com a proprietária, que estava no caixa. Ela me contou estar um pouco desanimada. “Investi tanto, mas os clientes parecem estar indo embora e eu não sei por que…”, confessou-me ela. No fim da conversa, perguntei se gostava de vinhos, afinal, estava claro que seu maior investimento ali era na adega. “Não… Eu nem bebo, para falar a verdade eu nem gosto de vinho. Mas me disseram que esse negócio dá muito dinheiro, então, achei uma boa oportunidade investir aí.”
— Hum…. Entendi tudo. Mas, Rangel, eu preciso ganhar dinheiro e sei que tenho potencial para isso.
— Eu tenho certeza de que você tem potencial, mas, antes, temos que descobrir algumas coisas. Vou pedir que você vá para casa e preencha um questionário com perguntas sobre o que você pretende e imagina para sua vida profissional e pessoal. Na próxima sessão, discutiremos sobre ele. Pode ser?
— Combinado.
Papo de Coaching é uma seção fixa onde discuto assuntos sobre os quais trato dentro do meu escritório. Às quintas-feiras, conto a vocês as histórias de uma pessoa especial, o Gil Vicente. Ele é um personagem fictício, mas suas dúvidas e angústias são muito reais. A voz de GV é a voz de outros clientes que, todos os dias, colocam em dúvida o que estão fazendo para viver, enfrentam desafios para se relacionar melhor no ambiente corporativo, para disputar uma promoção, para dar conta de muitas tarefas em um só dia. É disso que falaremos nesta coluna.